14 setembro 2009

Sombra da madrugada


O primeiro, e talvez o único, conto deste Blog a se basear em uma experiência própria. Acho que eu escrevi este aqui só pra ver se conseguia fazer algo ao estilo de Stephen King.
Ah sim! Este foi o meu primeiro conto.





*  *  *

Televisão, computador e cama. O garoto continuava seu tedioso ciclo tentando ignorar o clima abafado e irritante da nova cidade. Ainda que estivesse ha pouco tempo morando ali, a falta de amigos lhe deixava preocupado. Quantas tardes teria de passar sozinho em casa até que encontrasse algo divertido para fazer. Não deveria ser tão difícil fazer amigos na quarta série.
Por fim o calor lhe convenceu a optar pela única alternativa que não deixaria suas costas úmidas de suor. Deitado ali no quarto com o ventilador ligado era ainda mais difícil evitar pensar nas coisas que o incomodavam. Tantos garotos pareciam ser felizes em seu colégio, tinham amigos, sabiam jogar bola sem passar vergonha. E o pior, porque nenhuma garota conversava com ele? Como sempre elas preferem se amontoar por apenas um garoto. Se ele ao menos fosse mais forte. Talvez se conseguisse que seu pai lhe pagasse uma academia... Um grito interrompeu seus pensamentos, parecia alguém gritando de dor ou lutando com alguma coisa. Havia raiva naquele som vindo do prédio ao lado. Rompendo a letargia o garoto correu para a janela da sala. No meio do caminho outro grito. Desta vez o som parecia cair. Antes que pudesse alcançar as janelas um barulho de choque vindo do térreo o fez imaginar o que estava acontecendo.
Ali no chão do prédio vizinho o garoto viu seu primeiro cadáver. Um corpo deitado com uma poça de sangue ao redor do crânio. Não era uma mancha circular, era como se seu cérebro tivesse forçado a saída deixando um rastro de sangue e algo pastoso num vermelho escuro entre o corpo e a massa encefálica a uns dois metros. Apesar do caráter perturbador da cena ele não conseguia afastar seus olhos. É como uma ferida na boca que, apesar da dor, não se pode deixar de passar a língua. Trinta segundos ou dez minutos devem ter se passado enquanto ele observava o que um dia fora uma pessoa. Aos poucos chegavam outros iguais ao cadáver, mas ainda com seus cérebros no lugar. Corpos com vida e curiosos para saber o que acontecera amontoaram-se ao redor do infeliz. Dali do sexto andar não dava para saber o que se passava. Na tentativa de parecer diferente daqueles urubus humanos se afastou da janela e foi para o computador.
"Será que ele foi empurrado? Um assassino no prédio ao lado? Por que ele pularia? Como alguém decide morrer de uma forma tão sem graça? E os seus familiares?"
As perguntas foram diminuindo à medida que o computador exigia sua atenção.Após algumas horas no computador (sim, para este menino horas passam como minutos quando se trata do computador) chegaram seus pais. Eles disseram que o porteiro sabia o que tinha acontecido. Pelo visto o homem que morrera naquela tarde morava no nono andar e era maluco. Tomava remédio controlado e vivia sob os cuidados da mãe ou empregada ou irmã, não se sabe ao certo. Estava a dois dias sozinho no apartamento e quando a polícia entrou não encontrou os remédios em lugar algum. Sem sua medicação o homem cedeu à loucura e pulou.Descoberta a causa do acontecimento o mesmo parou de lhe despertar o interesse. O tempo terminou de se arrastar até que o sono se fez presente. Antes de prosseguir com a história é necessário falar um pouco sobre a casa. A arquitetura dela era tal que a ordem dos cômodos era: banheiro, no fim do corredor; quarto dos seus pais e seu quarto, um de frente para o outro e perto do banheiro; um pouco mais adiante o quarto de seus irmãos. O corredor onde estavam as entradas destes quatro cômodos terminava na sala, que tinha a forma de um “L”, na parte menor da sala havia uma porta para a cozinha e outra que saia para os elevadores.Naquela noite o garoto, sabe-se lá por quais motivos, iria dormir sozinho no quarto de seus irmãos.Antes de cair no sono ficou imaginando o que poderia ter se passado na cabeça do suicida antes de pular. Alguns loucos acham que podem fazer coisas impossíveis, outros não percebem a realidade como ela é. E alguns vêm seres que ninguém mais vê.Nunca teve problemas para dormir e naquela noite não foi diferente. No entanto, teve um sonho um tanto quanto estranho.Estava deitado na cama de um de seus irmãos, cabeça para o corredor e pés para a janela, perpendicular ao corredor, quando ouviu o som de vidro se quebrando. O barulho parecia ter vindo da sala, correu para lá. O vidro estava quebrado e ele olhava fixamente para o andar em que o suicida morava.Acordou do sonho um pouco perturbado. Levantou-se e foi receoso até a sala para ter a certeza de que tinha sido apenas um sonho. Assim que chegou ao corredor e olhou para a sala viu uma coisa que lhe arrepiou a nuca com uma força jamais sentida.O que parecia ser uma sombra de um homem forte acabara de entrar pela janela próxima ao computador. Ele estava um pouco envergado como quem acaba de tocar o chão após um pulo alto. Aquilo o encarou, seu corpo era uma massa negra, como sombra materializada. Não havia detalhes em seu corpo, apenas contorno. Seu contorno não era o de um homem normal, apesar de essa ser a base. Pendurados em sua pele estavam algum tipo de cordas tão negras quanto ele. Em seu rosto havia olhos humanos e um lábio carnudo extremamente vermelho formando um sorriso fechado diabólico.Ele sabia que o menino o observava assustado, pois ele também o observava, mas sem medo algum. O encontro durou menos que cinco segundos, em seguida ele pulou pela janela que entrou. Paralisado de medo o garoto permaneceu inerte no corredor. Após algum tempo voltou para a cama e conseguiu se convencer de que fora um sonho.Nunca teve problemas para dormir, por pior que seja a situação. Naquele fim de noite não foi diferente.

*  *  *

Após me convencer de que tudo fora um sonho, e pra falar a verdade, talvez tenha sido, consegui voltar a dormir. Se foi real ou não, acho que não chegarei algum dia a ter certeza, mas sempre que me lembro do que vi naquela noite sinto um calafrio fugindo da minha coluna para se esconder em minha nuca.

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