24 maio 2010

24 de maio de 2010


Tive um sonho tão estranho e perturbador que assim que acordei tive que colocá-lo no papel. A história praticamente se escreveu sozinha, uma vez que eu estava praticamente sonâmbulo.




*  *  *

Indignados com a teoria, eles conversavam e planejavam afobadamente seu plano enquanto o elevador descia. Eu não conseguia prestar atenção na conversa, estava muito nervoso para isso.Com a chegada do elevador ao seu destino teve início o que parecia um plano sem elaboração alguma. Talvez fosse a falta de tempo ou mesmo nossa imaturidade, não fazia diferença agora, tínhamos que agir.

Aquilo parecia algum tipo de complexo científico, o chão era branco e brilhante como em um hospital de luxo e os nossos passos apressados ecoavam no silêncio claustrofóbico. Procuravamos por algo que eu não me lembro o que era, mas seja lá o que fosse era importante. Em um instante de distração, não percebi que eles começavam a correr. Não entendia direito porque fazíamos isso. Estávamos visivelmente chamando a atenção, todos olhavam para os quatro loucos que começavam a correr dentro do complexo. Eu estava tão atordoado que acabei por virar em um corredor que meus companheiros não tinham virado. Deus! Por que eu estava assim? Fiz meia volta e eles já estavam alguns metros a minha frente, resolvi mudar os planos. Eles chamavam atenção demais para si. Eu iria na retaguarda, aproveitando que todos olhavam para os três insanos correndo, e conseguiria andar sem chamar a atenção. Chegava perto da sala onde eles tinham acabado de entrar, agora a minha idéia começava a me parecer boa. Se eles fossem pegos, o que parecia inevitável dado o alvoroço que criaram, eu ainda estaria sob meu disfarce, sustentando uma face impassível como todas as outras ali.


Foi tudo rápido demais.


Rafael, um de meus amigos que não estava na correria e na nossa tentativa de execução do plano, saiu da sala estranhamente calmo. Eu suspeitava que sua calma fosse controlada para não chamar a atenção dos outros que agora corriam em grande número para a sala onde os afobados entraram. Calmamente ele veio em minha direção. Seus olhos diziam “não fuja, é sua ultima chance” e eu fiquei parado com a cara estampando minha confusão. Se aproximou com um sorriso tranqüilizador que me deixou ainda mais confuso, e colou algo em minhas costas, algo que não consegui ver o que era.


No momento seguinte dois homens de branco o puxavam pelas costas, mas ele mantia os olhos fixos em mim e um sorriso de quem acabara de ser vitorioso. Eu não entendi nada, mas não tinha tempo para tentar entender. No momento seguinte um homem caminhava em minha direção. Em sua mão uma injeção longa e afiada. Aquilo me despertou um pânico que eu nem sabia ser capaz de sentir.


Ele tentou cravejá-la no meu coração e eu desviei com um tapa em seu pulso, um golpe de dentro para fora.


Ele tentou de novo atingir meu peito e eu utilizei a outra mão. O mesmo movimento. Um movimento limpo e ágil. Aquilo me surpreendia, quão ágil eu era nessas situações de perigo. Outra tentativa de injeção, ele já não estava mirando no peito, simplesmente queria me injetar logo aquela droga e acabar com isso. Eu clamei por sua piedade “Pare! No peito não, por favor!”. Ele tentava agora minha barriga e perna enquanto eu desviava com meus punhos em seus punhos. Uma outra pessoa chegava agora, ela era loira e tinha um rosto estranhamente familiar. Sua voz era bem intencionada apesar de carregar outra seringa. Ela não parecia entender o motivo do meu pânico. “deixe-o acertar seu peito, vai ser melhor para você”. Ela ainda não sabia de tudo e não entendia o que eu entendia. Os golpes continuavam até que eu decidi fazer um ultimo apelo “você não entende. Eu sei o quanto vai doer em meu peito”. Mas minha força de vontade estava se acabando, eu sei que provavelmente iria dormir com qualquer acerto dele e que depois ele iria me atingir no peito. Enquanto tentava afastá-lo do meu tórax já nú eu me machucava mais, sua agulha batia ocasionalmente em meus braços e barriga rasgando a superfície da pele, o processo estava muito dolorido para ser sustentado. Aproveitando meu momento de dúvida ele conseguiu. Enfiou a injeção no meu peito e a apertou, a dor veio junto com minhas lágrimas. Teria o esforço dos meus amigos e talvez até mesmo seu sacrifício sido em vão? Acho que não saberia responder, tudo se apagava agora.


*  *  *


Era como se respirasse pela primeira vez na minha vida. Um fôlego desesperado de quem acorda de um pesadelo. Meus testículos pesavam e eu sentia como se tivessem o dobro do tamanho. Eu estava deitado em algum tipo de leito ou mesa cirúrgica. Quando me levantei o peso de minhas bolas me fez pensar que a região toda estava inchada.

“Muita calma agora” disse um dos médicos. Eu respondi como se eles fossem incapazes de entender minha indignação “Calma? Olhe o que você fez com meu saco! Eu quero sair daqui, já chega!’’


*  *  *

Eu agora subia o elevador onde tudo começou. A loira que acompanhara a cena da injeção e também tentara me neutralizar agora subia o elevador comigo, conversando como se fosse minha amiga ou tutora. Ela me explicava algo que não me lembro ao certo, mas ao fim da conversa eu havia entendido que não poderia ser como antes e que se não desse certo eles me apagariam. Eu teria uma limitação de área para agir e seria vigiado. Ao que tudo indicava eu era agora algum tipo de experiência.


*  *  *


Estávamos agora subindo a escada rolante do shopping, algo muito acima do complexo de onde viemos. Eu corria fugindo para cima no mesmo sentido da escada quando ela me alcançou e falou “pare! Você quer acabar com tudo isso? Continue correndo assim e quando você passar dos limites eles simplesmente encerram isso.” Eu me acalmei, não adiantaria ser afobado agora, eu tinha que entender o que estava acontecendo. “ok então, tentarei ficar calmo” eu desci a escada rolante paralela até a praça de alimentação e comecei a testar meu novo corpo. Comecei com algumas acrobacias nos bancos e mesa e me surpreendi. Ao que parecia eu era extremamente ágil, meu corpo parecia adaptado e as pessoas se admiravam com o espetáculo. As meninas começaram a olhar e rir de um jeito cada vez mais atraente. Isso me afastou um pouco as preocupações. Comecei então a me exibir. Era boa a sensação de ser admirado. Uma das meninas vinha falar comigo, provavelmente impressionada, mas eu não lhe daria bola. Aproximei-me da loira que parecia ser minha tutora. “Está certo, vamos dar um volta por aí”. Eu a conduzia como se ela fosse uma menina que estivesse finalmente grata por estar saindo com o menino que ela sempre foi apaixonada. Havia um quê de falsidade em toda essa situação mas eu não me importava tanto, eu era incrível.


“Quero ver uma coisa aqui” eu disse. Uma barraca de cigana me chamava a atenção. Um cartaz dizia “pegue sua magia aqui” e abaixo dele uma mesa com vários papeis dobrados de uma forma estranha. No estande ao lado uma mulher vestida de cigana recebia o dinheiro dos trouxas. Eu peguei dois papéis ao acaso e levei pra ela. Ao que parecia eram biscoitos da sorte sem os biscoitos. Quando entreguei-o à cigana, minha acompanhante deixoua-a sem graça “você sabe que isso tudo é mentira… ela só quer ganhar dinheiro”. “Não importa. Eu quero saber meu futuro, é importante pra mim”.


A cigana mantinha um sorriso no rosto como se acostumada com esse tipo de coisa, como se pensasse “menina insolente, nunca entenderá este tipo de coisa”.


A cigana abriu os dois papéis e começou a ler.


“Mas que interessante. São duas más noticias o que temos aqui… Parece que as pessoas mudaram quem você é, quem você já foi, e tudo contra sua vontade. Você não gostou do que se tornou com o tempo e não quis que continuasse assim mas não conseguia mudar” meu sorriso desaparecera e eu me lembrei de porque estava ali. O bilhete não tinha nada de vago apesar de sua leitura fazer parecer um simples ditado chinês. Ela pegou o outro papel. “no entanto para voltar a ser você, você não pode mais ser você. Ser o que você é, é negar aquilo que você é e abdicar de sua existência. O dia em que você conseguir ser você, vai deixar de existir tanto como foi tanto como é”


Suas palavras tiraram meu fôlego e eu tive vontade de cair. Como podia aquela mulher prever e saber de tudo tão bem. O que significaria aquilo para mim? Seria verdade então? Eu era um clone com o comportamento alterado e ao descobrir a verdade e despertar o meu original faria com que eu morresse e deixasse de ser quem eu acho que sou agora? O que eu queria de verdade? Sentia-me observado.



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