24 maio 2011

Panteão



Para marcar o ressurgimento oficial do Blog, exponho aqui meu texto mais recente. Ele é a introdução da introdução de um cenário de RPG que ainda estou desenvolvendo e trata da formação do próprio mundo. Nele eu apresento boa parte do panteão, as raças mais comuns, a relação entre os deuses e um pouco da história do mundo.
O texto tem muita influência dos livros de D&D, qualquer semelhança não é mera coincidência.




Capítulo I – Surge o Universo



“No princípio foi a grande explosão, e isso já faz muito tempo. Aqui só se falará do bis da noite. Ainda é possível conseguir uma entrada. Numa palavra: a recompensa consiste em criar o público do espetáculo. Sem a platéia, não teria sentido chamar de espetáculo o que aconteceu. Continua havendo lugares vagos.”
Jostein Gaarder


No que poderia ser uma nula quantia de tempo ou incontáveis eras, o universo era um ponto avolumado onde energias de polaridades opostas coexistiam em um equilíbrio dinâmico. Até que, por razões insignificantes para a história que se segue, subitamente a estabilidade na energia contida neste ponto singular de gênese teve fim e em um movimento frenético alastrava-se pela nulidade circundante. No início, havia o caos. Abraçado pelo nada, um vórtice de pura energia paria as mais bizarras criaturas e criações. As primeiras criaturas a surgirem foram os demônios, a manifestação corpórea do caos. E por um período imensurável, seres grotescos com o propósito único de destruição formavam um turbilhão de violência e desordem pelas inúmeras camadas do abismo que se formara acima da origem do universo.
Contrapondo-se à infinita expansão do caos e para sempre separando-se do ciclone da criação, ascenderam os deuses, a personificação da ordem. Não eram apenas mais uma criação, e sim parte da fonte de tudo. Detentores de uma colossal quantidade de energia distribuída em um único ser, estas divindades consideravam intolerável a conjuntura do universo: anárquico e brutal.
Com a ascensão divina, a origem do universo perdeu sua luz e converteu-se em um famélico e monstruoso lodaçal negro. O caos ansiava ser uma vez mais completo, pois os deuses levaram consigo grande parte de seu poder. Os demônios agora tinham intuitivamente o objetivo de destruir os deuses trazendo sua força de volta à gênese. Teve, então, início a guerra entre deuses e demônios.
Apesar da inquestionável superioridade dos deuses, os demônios, em uma questão quantitativa, eram os senhores do universo. Após incontáveis batalhas, os deuses receavam que o número de demônios fosse infinito e que aquela guerra jamais tivesse fim. Quando um demônio era exterminado em batalha, não tardava para que outros com as mesmas características surgissem agindo da mesma forma. Contudo, o mesmo não acontecia com os deuses. Se algum deles perecesse em batalha, seu poder retornaria ao abismo e sua essência desapareceria do universo para sempre.
Temerosos, os deuses uniram-se para encontrar uma solução. Decidiram que todos trabalhariam na criação de algo que pudesse guardar suas essências de modo a nunca serem completamente perdidas. Então cada deus extraiu um pouco de seu poder e armazenou em um lugar que seria protegido por todos os outros deuses.
Foi então criado o plano material. Um universo paralelo com reflexos materiais dos deuses. Nesse plano reinaria o poder da ordem. Os elementos reagiriam sempre da mesma forma a estímulos iguais, a gravidade teria sempre a mesma direção e o tempo passaria de forma regular. Cada ponto deste novo mundo teria o reflexo de alguma divindade.



Capítulo II – Surgem os mortais


Humanos

Para garantir que fosse possível reviver um deus com a mesma personalidade que o antigo, uma nova reunião foi feita e os deuses decidiram pela criação de um ser que refletisse o modo de pensar de todos eles. Foi criada então a raça humana, que por representar tantos deuses ao mesmo tempo, se tornou uma raça extremamente versátil e variada. A criação demandava que uma boa quantidade dos poderes dos deuses fosse desviada para o plano material, contudo, a sobrevivência dos deuses agora estava garantida. Se algum deus perecesse em combate, poderia ser revivido a partir de suas criações no plano material.
Nem todos os deuses estavam de acordo com a criação dos humanos como havia sido em seu início, e dado o grande gasto de energia que envolvia a criação dos homens, alguns deuses decidiram observar como agiam os humanos para somente depois contribuir com seu desenvolvimento tornando-se assim patronos de determinadas civilizações.
Após eras do domínio humano, alguns deuses decidiram fazer a sua própria versão dos mortais. Criações que refletissem de uma maneira mais fiel suas características e que fossem livres da influencia de outras divindades. Dentre as criações pós-humanas que povoaram o mundo em seu início, três se destacavam: os anões de Moradin, os elfos do Seldarine e os orcs de Gruumsh.


Anões, elfos e orcs

Os anões foram a última obra de Moradin, o criador, e a primeira raça humanóide a ser criada após os humanos. Moradin era uma das divindades mais antigas e era conhecido por sua perícia na criação de coisas novas. Dele, foi a primeira criação no mundo material, a terra, que veio a servir de base para tantas outras criações. Ele sabia que suas criações deveriam durar por muito tempo se quisesse que atingissem sua finalidade principal e refletiuproteção uns para com os outros. Sendo obras do deus artesão, os anões eram criaturas mais estáveis e tinham um ciclo de vida maior que o dos humanos.
Ao mesmo tempo em que Moradin começou a trabalhar na criação dos anões, um grupo de divindades conhecida como Seldarine, a irmandade da floresta, começou a trabalhar em uma nova raça de humanóides, os elfos. Contudo, os elfos demoraram alguns séculos para surgir, pois os deuses do Seldarine queriam criar uma raça perfeita. Após muito planejamento, foram criados os elfos à imagem dos deuses do Seldarine. Eram graciosos e tendiam a fazer suas atividades com perfeição não importando o tempo que levasse, uma vez que, sendo a raça criada com maior esmero, possuíam a vida mais longa dentre os humanóides. Tinham grande afinidade com a natureza e habitavam as florestas em uma atmosfera de harmonia. Possuíam, sem dúvida, a cultura mais rica e complexa de todo o plano. Eram uma raça pacífica, mas isolada.
Enquanto os deuses dedicavam seus esforços para a criação do plano material, a guerra contra os demônios não cessara. Percebendo um desfalecimento nas defesas divinas, os demônios multiplicavam-se mais do que nunca e investiam contra a morada dos deuses ferozmente. Pressentindo a energia ordeira que emanava das criações provindas dali, os demônios entravam em um frenesi destrutivo. Em reação às investidas demoníacas, destacaram-se grandes deuses guerreiros que viriam, mais tarde, a liderar os demais deuses. Tendo como seus comandantes os irmãos de ascensão Heironeous, o deus da justiça, e Hextor, o deus da guerra, um grupo de deuses guerreiros garantia que os deuses tivessem a tranqüilidade de que necessitavam para criar o mundo material. Durante as batalhas desta época, um deus em especial destacava-se por sua ferocidade e brutalidade, era Gruumsh. Não que fosse o melhor guerreiro, mas nenhum outro deus sentia tanto prazer no combate como ele. Alheio ao que acontecia na morada celestial, ele passava tanto tempo batalhando no abismo que já adquirira algumas características de seus inimigos, como a visão no total escuro do abismo, presas proeminentes e uma pele escamosa e resistente.
Quando soube da possibilidade de ressurreição no caso de algum dia perder uma batalha ansiou pela criação da sua própria raça de guerreiros, assim poderia se entregar ao combate sem a apreensão de ser revivido sem sua noção de prazer na luta. Tendo seu posto temporariamente tomado por Kord, o deus da força, Gruumsh ocupou-se de fazer sua própria criação. Para garantir que nenhuma característica sua fosse mudada no processo de ressurreição, fez suas crias o mais parecidas consigo que pôde, surgiram então os orcs. Destemidos e encrenqueiros, os orcs tinham sede de guerra e não se ocupavam de muita coisa além dela. Gruumsh tinha uma visão de si como um deus dominante e assim foram seus filhos, ansiosos por conquistar terras e povos. Assim como seu criador, os orcs possuíam algumas características demoníacas como uma visão perfeita no escuro e presas protuberantes. Contudo Gruumsh era um combatente e não um artesão, quando encontrava alguma dificuldade na elaboração dos orcs sua energia fervilhava de fúria e durante todo o processo pensava somente na grandiosidade que teriam suas batalhas a partir daquele ponto. Como conseqüência suas crias apresentavam alguns dos defeitos marcantes de seu criador em uma forma acentuada: possuíam uma mentalidade voltada apenas para a guerra, sensibilidade à luz do dia e o ciclo de vida mais curto dentre os humanóides.


Halflings

A esta altura, todos os deuses tinham um papel definido no plano de criação do mundo material. Alguns deuses ocupavam-se da criação ou da orientação de suas raças como se estes fossem verdadeiros filhos. Outros, de menor poder, haviam decidido habitar o mundo material assumindo a forma de criaturas de imenso poder. E os que não estavam trabalhando como artesãos ou habitando o mundo, ocupavam-se em garantir a segurança contra o abismo e sua prole. No entanto, uma divindade ainda permanecia incerta quanto ao seu propósito neste novo projeto, era Fharlanghn, o andarilho. Por eras ele vagou observando e apreciando as diversas criações de seus irmãos. Tinha prazer em admirar e usufruir das belezas em cada detalhe desse mundo ainda em desenvolvimento. Um mundo tão distinto das trevas de onde escapara.
Então o ritmo em que surgiam novas criações abrandou-se até cessar. Incomodado pela ausência de novas belezas que pudesse contemplar, o Andarilho tomou uma atitude. Caminharia pelo mundo uma última vez observando todas as criações que tanto admirava e faria algo melhor que todas elas, algo que pudesse passar o resto dos tempos a admirar.
Observou o povo das fadas, sátiros, dríades e ninfas. Todos crias de Obad-Hai, o senhor da natureza. As criaturas tinham um grande gosto pela vida, uma curiosidade para coisas novas e alguns possuíam um tamanho diminuto que lhes poupavam de várias enrascadas. Contudo eram criaturas levianas que temiam os demais seres e então Fharlanghn caminhou novamente.
Em seguida visitou os elfos, que eram belos e detentores de um grande orgulho. Fharlanghn apreciava a liberdade de espírito que possuíam e achava que detinham uma agilidade e graça incomparáveis. No entanto eles eram frágeis e se demoravam em demasia para fazer qualquer coisa e, ansiando por ação, ele continuou sua viagem.
Os próximos a serem analisados foram os anões. Habitantes da terra abaixo das montanhas, o seu senso de família o impressionou, afinal, o que seria dos mortais sem a sua família? Quem lembraria deles quando estes se fossem? Mas os anões eram um povo áspero e tendente ao trabalho árduo. Quem poderia ser feliz escavando as entranhas da terra sem nunca sentir o ar livre na face? E logo prosseguiu com sua andança.
Então encontrou os orcs. Quão terríveis eles eram. Sempre brutais e ferozes, satisfaziam-se preenchendo suas vidas com a raiva e o combate. Porem, não tardou para que ficasse fascinado com sua coragem. Não demonstravam medo diante de nenhum inimigo, da morte ou de qualquer sofrimento. Mas, sabendo que não poderia conviver com criaturas tão belicosas, continuou seu caminho.
Por último avaliou os humanos, os primogênitos. As criaturas eram espertas e se adaptavam rapidamente a quaisquer circunstâncias. Tamanha era sua flexibilidade que não havia duas colônias idênticas em todo o mundo. Tanta diversidade permitia que se espalhassem por quase toda a terra e também garantia que estivessem em constantes guerras uns para com os outros.
Finda sua viagem, ele sentia-se pronto. Cada raça tinha alguma característica que ele queria para sua obra, mas também continha muitos defeitos. Incapaz de criar a partir do seu próprio poder as virtudes que desejava, ele tomaria uma pequena parte das demais raças e adicionaria a uma criação única que passaria a ser sua. Utilizando uma fada do tamanho de seu punho como recipiente, começou a acrescentar-lhe a essência das virtudes que havia capturado. Com a agilidade dos elfos a criatura cresceu alguns centímetros e pôs-se a dançar com tamanha destreza que quase fugiu da vista de Fharlanghn. Com a devoção à família vinda dos anões a criatura cresceu ainda mais. Suas asas definharam e seus traços se tornaram menos delicados. Seus movimentos frenéticos tornaram-se mais lentos e ela agarrou a perna de Fharlanghn imaginando-o como uma figura materna. Com a coragem dos orcs a criatura tornou a crescer e começou a perambular procurando por encrenca. Antes que pudesse encontrar alguma, Fharlanghn apressou-se e lhe imbuiu a adaptabilidade dos humanos. A criatura cresceu outra vez e se libertou do domínio de Fharlanghn. Diante da divindade estava uma criatura com quase um metro de altura e perfeitamente proporcional. Seus brilhantes olhos azuis refletiam curiosidade e ausência de medo, sua forma irradiava vitalidade e graça e quando a criatura reuniu madeira e pedras afiadas para construir ferramentas, Fharlanghn soube que havia criado o mais primoroso ser vivo do mundo material.
Ao descobrir que suas criações tiveram parte de sua essência roubadas, os deuses enfureceram-se. Houve tumulto no reino dos céus. Ao descobrir que os orcs demonstravam medo em raras ocasiões, Gruumsh quis destruir Fharlanghn e devastar qualquer obra que ele já tivesse feito. Contudo, Fharlanghn sempre tivera a fala macia e o raciocínio rápido. Diante de uma iminente e catastrófica represália ele bajulou os deuses atingidos por suas ações. Discursou sobre como era difícil criar obras tão perfeitas quanto às que ele quis imitar e apelou para o fato de que retirara uma porção muito pequena da essência de cada raça, porção esta que não seria o suficiente para descaracterizar os filhos dos deuses. Diante da lábia de Fharlanghn os ânimos se acalmaram, mas ainda se falava em punição. Temendo pelo julgamento apontado por Gruumsh, o deus andarilho descobrira como atenuar sua situação. “Sábios deuses criadores, não há em nossa morada ninguém mais indicado para resolver esta situação do que o senhor da justiça, Heironeous. Ele é neutro na celeuma e tem experiência na resolução de conflitos internos. Acredito que você se dará por satisfeito, Gruumsh, uma vez que será seu companheiro de batalhas e capitão que dará a sentença. Aceitarei resignado qualquer punição que ele julgar cabível.” Fharlanghn sabia que Heironeous tinha-o em boa conta e esperava que isto pudesse favorecer a questão para seu lado.
Houve o juízo e Fharlanghn surpreendeu-se com o peso da sentença. Suas criações, agora chamadas de halflings, uma vez que eram constituídas de partes de outras raças, poderiam existir, mas não teriam uma terra para chamar de sua como as demais raças. Quanto ao criador, teria que ser expurgado das características que o levaram a cometer tal ato. Então, em sacrifício pelos seus filhos, Fharlanghn fendeu-se deixando para trás os traços ladinos que o levaram a cobiçar e roubar os outros deuses. E antes que os outros pudessem perceber, uma versão negra de Fharlanghn se formara. Surgira o deus ladino. Com a mente marcada por conceitos como furto, trapaça e intriga ele identificou-se como Olidammara e desapareceu antes que os demais deuses pudessem perceber o que havia acontecido. Dando um passo a frente emergiu Yondalla, o aspecto feminino de Fharlanghn. Em seu coração havia um sentimento materno em relação aos halflings e uma ânsia pelo retorno da harmonia entre os deuses. Heironeous analisou-a por alguns instantes e não conseguiu achar culpa na deusa que o olhava.
Os deuses ficaram satisfeitos com a maneira como as coisas terminaram. Gruumsh tinha saciado a sua sede de vingança e Yondalla permanecia com seus filhos. A partir deste dia foi estabelecido que Heironeous seria permanentemente o juiz da morada celestial e o imbuíram com autoridade para tanto. Como seu primeiro ato ficou decidido que já havia raças o suficiente no mundo material e que Yondalla seria a mãe da mais jovem e última raça a ser criada.


Drows e Mestiços

Havia, contudo, uma deusa inconformada com o desfecho do caso. Larethian, a tecelã, permanecia enfurecida uma vez que não houve reparação aos danos causados aos seus filhos. Ela não mais confiava na justiça de Heironeous e temia por seus elfos, pois começava a prever um futuro que não lhe agradava. Considerando a criação de Gruumsh como uma ameaça a seus filhos, Larethian, mais jovem divindade e segunda em poder no Seldarine e também considerada como o oráculo das florestas, reuniu seus companheiros para expor suas preocupações. Ela afirmava ter previsto em seus fios muitas batalhas entre orcs e elfos e receava por seu povo, que não conhecia a arte da guerra e eram frágeis em comparação à obra de Gruumsh. Sabia que não poderia contar com Heironeous no caso de uma guerra entre as raças, pois o deus limitava-se a intervir nas desavenças divinas. Clamou que o Seldarine transmitisse aos elfos a força necessária para afastar os orcs. Então Corellon, o mais persuasivo membro do Seldarine e também seu líder, convenceu seus irmãos dizendo que eles haviam criado a raça perfeita e que não deveriam alterá-la apenas para se parecer com a criação feita às pressas por Gruumsh.
Contrariada e enfurecida, Larethian agiu por trás de seus companheiros e selecionou alguns dos elfos que mais se parecessem com ela. Na escuridão da noite, secretamente eles se encontraram e ela lhes ensinou a arte da magia e das estratégias de guerra. Os escolhidos por Larethian surgiram como heróis entre seu povo, mas quando o Seldarine descobriu sua traição, uma nova reunião foi convocada, desta vez para julgar a traição da deusa tecelã e dos elfos que a seguiram.
Por ter desrespeitado as regras de criação dos elfos, modificando-os contra a vontade de seus irmãos, Larethian teria sua essência retirada dos filhos do Seldarine que não haviam recebido seus ensinamentos. Por ter traído a confiança dos Irmãos da Floresta, agindo furtivamente contra sua decisão, a grande tecelã seria expulsa do Seldarine. Quanto aos elfos que aceitaram receber secretamente os ensinamentos proibidos, seriam punidos de acordo com suas motivações. Por demonstrarem irreverência por seus demais criadores, os drows, como eram agora chamados, foram expulsos do convívio de seus irmãos em uma batalha fratricida onde os elfos originais eram influenciados e apoiados pelo Seldarine. E por demonstrarem uma sede de poder que os igualassem aos orcs, foram amaldiçoados a compartilhar da fraqueza diante da luz do dia com as crias de Gruumsh. Suas peles tornaram-se brancas como o tecido em que Larethian conseguia ver o futuro e o menor feixe de luz solar era capaz de enfraquecê-los e feri-los. Então a partir deste dia foi criada uma raça conhecida como drows que refletia a essência apenas da deusa vidente. Os drows abandonaram as florestas e foram morar na escuridão do subterrâneo, onde já viviam anões e orcs. Tendo agora os drows e Larethian como inimigos, o Seldarine ironicamente teve que ensinar aos elfos a arte do arco e da espada.
Exilados para o mundo subterrâneo, os drows tiveram que desbravar o que passariam a chamar de lar. Encontraram-se primeiramente com os anões, que não vendo com bons olhos os elfos negros, uma vez que haviam traídos seus próprios criadores, forçaram os elfos a procurarem abrigo em áreas mais afastadas de suas cidades. Apesar da antipatia entre os filhos de Moradin e Larethian, não houve derramamento de sangue entre ambos, pois ambos sabiam que havia inimigos piores nas sombras da terra.
Costuma-se dizer que a energia emanada por Pelor, o deus sol, purifica a maldade dos seres vivos e que as criaturas que tinham prazer na maldade escondiam-se dele em frestas e cavernas. Até que ponto isso é verdade, nem mesmo os deuses poderiam dizer. O fato é que nas entranhas da terra viviam monstros incrivelmente perversos, a começar pelos filhos de Gruumsh. Larethian sabia que o verdadeiro intuito do Seldarine ao expulsar os elfos negros para debaixo da terra era o extermínio, pois os orcs eram um povo violento e dominador. A única razão para os anões ainda não terem sucumbido era que surgiram milhares de anos antes e possuíam fortalezas impenetráveis. Obstinada a garantir a sobrevivência de seus filhos, Larethian participou de diversas guerras entre mortais. Sempre disfarçada na forma de uma aranha negra monstruosa, pois tal forma permitia que continuasse a prever o futuro no mundo material através de suas teias e disfarçava a sua presença.
Uma vez que os drows haviam conquistado seu próprio espaço, uma aliança tácita com o povo anão aconteceu, pois a ameaça de destruição pelos orcs permanecia presente e seus ataques eram incessantes. Apesar da animosidade sempre presente, anões e drows uniram-se diante da singular possibilidade de aniquilação dos orcs.
A campanha fora extremamente bem sucedida e os orcs estavam reduzidos a números ínfimos quando Gruumsh, através dos clérigos de seu povo, soube que Larethian estava pessoalmente contribuindo com a ruína dos orcs. O orgulho guerreiro de Gruumsh inflamou-se ao saber que sua criação estava sendo derrotada no campo de batalha e, na ira contra Larethian e os mortais que ousavam atacar sua progênie, transferiu mais poder do que qualquer outros deus havia transferido para fortalecer sua raça.
Os orcs se tornaram mais fortes e brutais do que nunca, conseguiam enxergar normalmente na luz do dia e se reproduziam mais rápido do que qualquer outra raça. Gruumsh perdera boa parte do seu vigor guerreiro, mas seus filhos começavam a alastrar-se em um ritmo assombroso. Os orcs abandonaram a sua antiga moradia e rumaram para a superfície. Humanos, elfos, halflings e outras raças, que até então sequer tinham ouvido falar dos filhos de Gruumsh, foram pegos de surpresa e muitos foram subjugados. No subterrâneo, os anões, após tantos anos de resistência, tinham suas fortalezas destruídas e seus tesouros saqueados. Os drows, contando com a ajuda concreta de Larethian, não sofriam ataques, mas podiam perceber que tudo não passava de uma estratégia do orcs na qual eles seriam enfrentados no fim.
Uma aliança entre anões, elfos e humanos foi feita para opor-se aos orcs. E após inúmeras batalhas os orcs foram expurgados da superfície e tornaram a habitar somente o subterrâneo. Um novo plano de batalha entre os orcs foi elaborado e ele continha como etapa inicial a derrocada dos drows, pois os anões contavam com a ajuda das demais espécies.
Por décadas Larethian conseguiu manter a guerra equilibrada, mas após tanto tempo habitando o mundo material seus poderes começavam a diminuir e suas visões tornavam-se cada vez mais imprecisas. Suas teias tornaram-se cada vez mais negras até que o dom da visão no futuro foi completamente perdido. E foi neste cenário que ela planejou seu mais ousado plano.
Por anos a fio ela concentrou-se apenas em produzir seu mais concentrado veneno, uma substância tão vil que corromperia perpetuamente a essência de um deus, impedindo a sua ressurreição. Os drows começavam a perder a guerra e contavam apenas com a magia como vantagem, pois a deusa tecelã passara a espreitar a morada celestial pelas sombras em sua forma aracnídea, observando os movimentos dos deuses guardiões. Aguardando a oportunidade perfeita. Apesar de enfraquecido, Gruumsh era o primeiro a adentrar o campo de batalha e o ultimo a deixá-lo, esta era a informação de que precisava. Um dia, após uma batalha particularmente difícil, Larethian esperou que os demais deuses guerreiros voltassem para o repouso e começou a tecer uma armadilha para Gruumsh. Cansado, ele sequer percebeu as teias que o aguardavam até que estivesse emaranhado nas mesmas. Rápida e pronta como somente os peçonhentos conseguem ser, Larethian injetou seu veneno frenética e repetidamente na garganta, nuca e coluna do deus bárbaro, que apesar do cansaço rugia e golpeava o ar ferozmente. Ao tempo que ele soltou-se das teias, Larethian já havia desaparecido. Gruumsh procurou por Larethian na morada celestial enlouquecido pelo ódio, e com seus urros ansiando pelo combate os demais deuses tornaram-se uma confusa platéia. Quando começou a sentir seu corpo pesado e a vista embaçada entendeu o que acontecia, em instantes seria destruído. Arrastou-se até uma das entradas para o mundo material e bradou suas últimas palavras. “Aranha covarde! Pensas que teu veneno pode te afastar da minha vingança e fúria. Eu hei de ver o terror no teu rosto quando o meu ódio consumir toda a tua essência.” E em seu último esforço transferiu toda a energia que lhe restava para sua criação, os orcs.
Larethian observava a cena escondida em suas teias de escuridão e ria baixo em desafio à ameaça de Gruumsh. Ela sabia que não havia provas contra ela, principalmente quando Gruumsh, em toda a sua burrice, havia transformado o corpo que continha seu veneno em energia pura. A voz envelhecida de Boccob, o deus da magia, sussurrando ao seu lado fez com que Larethian ficasse paralisada. “É uma bela magia que você fez aí, Larethian. Você chegou a se dar conta do que acabou de fazer?” Com o seu olho formando um pentagrama de energia, Boccob conseguia enxergá-la mesmo naquela escuridão. “Do que você está falando, senhor da magia e o que você quer aqui. Veio para alertar os outros?” Perguntou Larethian preparando-se para o ataque. “Não tenho interesse nesses jogos que vocês conduzem no mundo material, mas achei interessante o que acabou de acontecer. Ao transferir seu poder já corrompido pelo seu veneno, Gruumsh alcançou um feito além do seu plano original. A combinação transformou os orcs na única raça capaz de procriar com outras raças gerando filhos férteis. Como se suas sementes fossem um veneno, eles conseguirão gerar versões combinadas de sua própria raça em seres distintos.“
Larethian não conseguia distinguir se Boccob estava tentando entregá-la aos demais deuses ou se este era apenas mais um de seus devaneios diante da arte da magia. O que importava era que seu falatório começava a atrair a atenção de Heironeous, que já se aproximara do local. Com um movimento rápido ela tentou amordaçar Boccob com sua teia, mas já era tarde. Atiçado pela curiosidade, Pelor direcionou sua luz para o local de onde Boccob sussurrava. Ao laçar o deus da magia com suas teias, Larethian foi invadida por uma visão que a deixou distraída por tempo suficiente para que fosse capturada. Em sua visão viu surgir uma nova raça de orcs enquanto os antigos orcs eram levados à quase extinção. Eram os mestiços, metade orcs e metade elfos, humanos, anões ou qualquer outra coisa. Espalhavam-se rapidamente e sofriam com o preconceito das raças puras. Eram fortes e perseverantes como os orcs, mas mais inteligentes e sociáveis. Gruumsh conseguira enfim criar uma raça e talvez algum dia fosse revivido graças a ela. Graças a Larethian.
A grande tecelã fora mais uma vez levada a julgamento. Desta vez seria julgada por Heironeous e não pelo Seldarine. Por ter violado o acordo de paz entre os deuses, atacado e envenenado Gruumsh e por tentar atacar Boccob, Larethian fora considerada uma ameaça para todo o panteão. O lugar para os que desejam a morte dos deuses era o abismo, juntamente com os demônios. Esta foi a punição dada por Heironeous e era o equivalente à morte, pois nenhum deus resistiria sozinho aos infindos demônios do abismo. Pelo menos era o que se supunha.
Por mais que não fosse uma deusa guerreira, Larethian passara muito tempo em luta no mundo material e não se pode dizer que sua queda foi rápida. Alternando entre sua forma aracnídea e a forma humana ela lutou dias a fio. Os demônios não tinham pressa em derrotá-la, poderiam ter encerrado o combate de uma vez se atacassem como uma só força, mas parecia que o abismo divertia-se com a queda da tecelã. Aproveitando cada momento da presente ironia, que o oráculo dos deuses não tivesse sido capaz de prever seu fim. Era a coroação do caos sobre a ordem.
Contudo, ausência de ordem nunca foi sinônimo de ausência de inteligência e havia intenção por detrás do comportamento dado à Larethian. Mais do que apenas destruí-la, o abismo queria convertê-la. Quando a deusa não tinha forças sequer para manter sua forma aracnídea e encontrava-se prostrada na sua forma humanóide e albina, um dos lordes do abismo surgiu. O cerco de demônios cessou o ataque e então surgiu Zuggtomoy. De seu torso para cima sua forma lembrava a de uma bela humana de pele roxeada e com seios fartos. De sua cabeça despencavam longos cabelos negros por onde um líquido viscoso escorria e brotavam quatro chifres acinzentados que cresciam em ângulos tortuosos. A metade inferior de seu corpo, porém, comprovava-lhe sua natureza. Um emaranhado de grossos tentáculos negros cobertos por um muco verde brilhante davam um aspecto repulsivo onde deveriam estar as pernas do demônio. Fungos e protuberâncias cresciam, mudavam de lugar e desapareciam ao longo de seus tentáculos e abdomem.
Demônio e divindade conversaram e acordos nefastos foram selados. A partir deste evento Larethian seria conhecida como Lolth, o demônio aranha. Assumindo uma forma bizarra e horrenda na qual se misturavam aranha e mulher, a senhora dos drows passou a viver no abismo, para sempre tramando contra os deuses e suas criações. Ainda era a senhora dos drows, mas algum tipo de proteção havia sido criada e ela estava impedida de qualquer intervenção direta no mundo material.
O que de fato aconteceu é que para evitar futuras desavenças entre os deuses, foi acordado um pacto de não intervenção divina no mundo material. Os mortais poderiam continuar com a energia adquirida dos deuses através da servidão, como faziam os clérigos, mas nenhum deus poderia voltar a interferir diretamente no mundo material. Como agradecimento a Boccob e forma de reparar o desequilíbrio causado por Larethian, agora Lolth, a magia seria ensinada a todas as raças e, através dela os mortais poderiam manipular a energia ao seu redor.



Capítulo III – Surge o inferno


No início a guerra surgiu entre os humanos. A diversidade era ao mesmo tempo sua virtude e ruína. Depois, lutaram elfos e drows como inimigos jurados. Por fim, não tardou para que as presciências de Larethian se tornassem realidade e, com a guerra jazendo em seus peitos como brasa, os orcs incendiaram o mundo na tentativa de submeter as demais raças a seu julgo.
O mundo criado pelos deuses, apesar de todos seus esforços, exalava uma instabilidade que começava a germinar na morada celestial, como a batalha entre Larethian e Gruumsh comprovara. Uma nova reunião do panteão se fazia necessária. Por horas debateram os deuses sobre os recentes acontecimentos e quando exaltaram-se os ânimos ao estágio da quase batalha, um estrondo soou acima das vozes divinas. Erguendo-se em sua armadura negra, Hextor não conseguia mais conter-se e batera sua espada no chão. “Teriam vocês esquecido do verdadeiro propósito dos mortais?”. Suas palavras tinham o peso da ira contida a muito custo e ecoavam no silêncio repentino. “Eles existem para garantir a nossa sobrevivência, nada mais. Enquanto muitos de vocês desperdiçam eras aperfeiçoando e guiando estes seres, nós temos que lidar com o enxame de demônios que assolam as portas dos sete céus.” E ao passo que Hextor demonstrava sua insatisfação, outros deuses sentiam-se inflamados por suas palavras. “Ao adotarem os mortais como se filhos fossem vocês lhes dão demasiada liberdade. Invólucros de pequena parte de nossa energia é o que são. Meras cápsulas que nos garantirão a sobrevivência. Recipientes. Cartuchos! NADA MAIS!” E com essa afirmação muitos dos deuses criadores se revoltaram, mas antes que pudessem argumentar, Hextor recomeçava. “Como esperam que se sintam os que guerreiam lá fora em saber que o risco que correm pode ser em vão? Sabendo que a qualquer momento os mortais que deveriam conter nossa essência podem destruir a si mesmos porque vocês acharam uma boa idéia dar-lhes o livre arbítrio. Eu vejo dia após dia os mortais irem cada vez mais longe. Dizimam sua própria espécie, saqueiam das entranhas da terra as suas riquezas trazendo a ruína à terra em que vivem, brincam com a magia como se deuses fossem e alguns começam a abrir portais para a entrada de demônios no mundo em que tivemos que deixar parte do nosso poder para mantê-los longe!”
E percebendo a direção que o discurso tomava, interveio Heironeous. “Você está condenando o cesto pela maçã podre, Hextor. É verdade que nosso trabalho como guardiões é árduo, mas ali estamos por vocação e no mundo material estão os criadores pela mesma razão. Você diz que eles desperdiçam eras como se estivessem alheios ao universo, mas percebemos, com as crias de Gruumsh, que se deve ter zelo e dedicação quando se armazena a essência divina em um mortal. Nenhuma outra raça é tão propensa ao caos e não posso deixar de pensar que isso aconteceu porque um deus guerreiro quis ser arquiteto e não teve o esmero necessário para a tarefa. Todos poderemos ser revividos a partir das criações deles se contribuirmos com nossa energia e cumprindo nosso papel de guardiões. E quando digo que reviveremos através deles, é PRECISO que tenham livre arbítrio, pois somente assim serão verdadeiramente o nosso reflexo.” E com as palavras em tom de trégua muitos deuses acalmaram-se e concordaram com Heironeous.
“Tolice!” Urrou Hextor. “Tratem os mortais como o que são e não como deuses. Se de livre arbítrio eles precisam em sua essência, retirem-lhes a liberdade para que cumpram seu papel sem mais delongas e somente assim sairão os deuses de seu trono de conforto e acomodação para nos auxiliarem na batalha que há muitos já consumiu.”
O duelo de argumentos não demorou a se tornar uma verdadeira batalha entre dois segmentos de deuses. De um lado liderava Heironeous, defendendo a preservação do mundo material e dos mortais livres e com ele estava a maioria dos deuses. Do outro havia Hextor e seus seguidores ansiando pelo rebaixamento dos mortais à escravos dos deuses, como gado, e desejosos pela posição de liderança dentre os demais deuses.
A discussão perdurou por muito tempo e deu origem a uma rebelião liderada por Hextor. Ele declarava que era o mais apto a ser o juiz do panteão e muitos deuses o apoiavam, principalmente os guerreiros.
Muito se fortaleceram Hextor e seus combatentes no período em que sozinhos defendiam a morada celestial, mas não eram fortes o suficiente para causar a revolução que cobiçavam. Sua revolta acabou por alcançar objetivos avessos e, com a vitória sobre os rebeldes, Heironeous fora elevado a categoria de líder dos deuses. Como qualquer deus que se voltasse contra os demais, Hextor e os seus deveriam ser banidos da morada celestial, destinados ao provável extermínio no abismo. Contudo, partiu de Nerull, senhor da morte, a idéia que moldou o universo na forma dos dias atuais.
Percebendo a relutância de Heironeous em mandar tantos deuses ao abismo, inclusive seu irmão de ascendência, Hextor, Nerull sugeriu um acordo. Os rebeldes seriam banidos da morada celestial, mas não seriam lançados aos demônios. Seria criada uma intersecção entre a morada celestial e o abismo. Este lugar, habitado pelos rebeldes, serviria de defesa contra os demônios, aumentando assim a segurança dos céus e evitando o fortalecimento do abismo com a energia que ele absorveria dos deuses condenados. Como contraprestação aos serviços, estes deuses teriam poder sobre as almas dos mortais que em vida tivessem contribuído para o surgimento do caos no mundo material e delas retirariam a energia para continuar a luta contra os demônios. O acordo parecia satisfatório a todos e assim surgiram os nove infernos, acima do abismo, abaixo dos céus e morada final para os maus.


Universo, diverso e perverso,

Diga adeus à deus.
Em alegoria ele cria
E em luta disputa.
Uma cruzada para o nada
Rumo ao auto consumo.

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