24 janeiro 2012

Capítulo 4



Um rosnado robusto e feroz antecedeu um desesperado grito de dor. O som do combate vinha de longe e Vallen sentia a flecha cutucando seus músculos, reabrindo a ferida, enquanto tentava manter-se na mesma velocidade que Laucian.
- Por que raios não está indo atrás de seu amigo? - Quis saber Laucian.
- A esta altura segui-lo seria suicídio. Tenho motivos para acreditar que precisam dele vivo. - Respondeu Vallen, lembrando de como o orc pegara leve com Finarfim.

Chegaram ao ponto onde esperavam encontrar o lobo gigante, mas encontraram apenas seus filhotes. Esgueiraram-se para fora da caverna com o lampião apagado. Do lado de fora, cinco corpos cobertos de sangue, todos orcs. A loba fazia seu caminho de volta para a caverna com a fuça brilhando de sangue e um braço nos dentes. Pareceu não notar os dois elfos e entrou na caverna, levando alimento para suas crias. Tornaram a olhar para o local da chacina e perceberam que o lobo não era a única besta responsável pelo massacre. Uma pantera tinha os olhos fixos nos elfos. Um dos orcs se levanta e tenta acertar o gato gigante, que parecia não lhe dar atenção. O bote foi rápido e certeiro, suas presas cravaram-se na garganta do orc, que voltou a deitar-se, desta vez para sempre.
- Vamos embora. - Disse Laucian, com temor na voz. - Não temos utilidade aqui.
- Tenha calma, Laucian. Acho que esse animal está do nosso lado. - Respondeu Vallen. - Se eu estiver errado, é uma boa hora para você aprender a subir em árvores.
Sabia que Laucian não estava enxergando a mesma coisa que ele daquela distância e com aquela iluminação, mas podia jurar que aquela pantera tinha as mesmas cores de Myra, Preto, branco e vermelho. Nunca vira uma pantera dessa cor e nunca ouviu falar de panteras e lobos lutando lado a lado. Se estivesse certo, isso explicaria muita coisa. Aproximou-se devagar da besta, que começava a se afastar.
- Khalid? - Perguntou Vallen alto o suficiente para ser ouvido. - É você?
A Pantera caminhou até o elfo e começou uma estranha transformação. Primeiramente pôs-se de pé com um equilíbrio jamais visto em um quadrúpede, então seus pêlos começaram a transmutar-se em um tecido leve e verde. Os cabelos da cabeça cresceram a partir de uma mancha vermelha se transformando em um longo e liso ruivo. Por fim, assumiu a forma de uma bela mestiça com mantos esverdeados, uma coroa de folhas e flores na cabeça e um cajado de madeira na mão esquerda.
- Não, caro Vallen, mas você chegou perto. - Respondeu com uma voz tão suave quanto a brisa da primavera. - Sou Myra, e assim como Khalid, sou um com a natureza.
Vallen estava sem palavras. Em parte pela revelação e em parte bela beleza estonteante de Myra. Após alguns instantes admirando a mestiça, conseguiu falar.
- Então você é a gata que vinha nos seguindo todo esse tempo, não é isso?
- Sim. - Respondeu com o sorriso mais meigo que Vallen já vira, o que tornava difícil se concentrar nas perguntas certas. - Eu estou vigiando Finarfim.
- Então por que não assumiu a forma de pantera e nos ajudou quando precisamos?
- Por que minha função é apenas vigiá-lo, não devo protegê-lo a cada problema, ele precisa ficar forte sozinho.
- Então por que esta atacando orcs agora? Porque não continuou como uma gata?
- Apesar de minha função ser a de atentar para que Finarfim não se corrompa, eu posso agir quando a situação for de extrema necessidade. E Finarfim corre grave perigo agora.
- Eu o trarei de volta! - Interrompeu Vallen, falando quase que para si mesmo. Estava disposto a abandonar a cautela para resgatar seu amigo. - Laucian, sei que tem poucos motivos ou nenhum motivo para me socorrer, mas se me ajudar nessa tarefa, te darei uma boa recompensa quando chegarmos em Daliam.
Laucian, que estava alguns passos atrás, ainda sem reação, aproximou-se.
- Tem certeza que não vou traí-lo, Vallen? - Zombou.
- Acho que você me esconde algo, mas meu instinto me diz que você não está aliado com os orcs. Sei que estou pedindo muito.
- Eu vou lhes ajudar. Em parte porque preciso de ajuda de vocês para sair dessa floresta e em parte porque você vai me ajudar a recuperar o prejuízo que tive não entregando minha mercadoria, não se esqueça disso.
- Pretendem mesmo tentar ajudar Finarfim? - Perguntou Myra, com um pouco de dúvida na voz.
- Eu vou trazê-lo de volta, Myra, e você poderia tornar as coisas bem mais fáceis ajudasse a me infiltrar. Na forma de gata você poderia espioná-los facilmente.
A mestiça riu seu doce sorriso.
- Você sempre tem algum tipo de plano não é mesmo? Mas pra sua sorte e de Finarfim eu farei um pouco melhor do que isso.
Tocou o ombro de ambos e uma forte sensação de frescor percorreu-lhes o corpo. Vallen pode sentir como se um vento de inverno expulsasse seus ferimentos como se não passassem de uma desagradável sensação de calor. Escutou a flecha fincada nas suas costas cair no chão, mas sequer percebeu que tinha sido removida. Em seguida uma onda de calor começou a percorrer-lhe o corpo, pulsando em seus músculos. Sentiram-se mais fortes e ágeis, seus sentidos estavam mais aguçados e sua pele adquirira a resistência de uma árvore. Vallen sentia um instinto predatório, enquanto aquela magia permanecesse sentia que nenhum orc poderia lhe tocar.
- Isso é muito útil. - Riu Laucian. - Quanto tempo durará?
- Espero que o suficiente. - Respondeu Myra com uma expressão séria. - Não temos tempo a perder, subam.
Levantou seus braços e penas surgiram de seu pescoço e roupas. Seu crânio tomava a forma do de uma ave e seus braços viraram asas. Diante deles uma águia gigante se curvava. Vallen hesitou, mas quando Laucian tomou seu lugar no dorso da ave, decidiu que Myra devia saber o que estava fazendo.
Durante o vôo, Vallen sentiu que o vento resolvera ajudar a ave, não vento contra seu rosto e ainda assim tinha certeza que estavam em uma velocidade impossível para qualquer pássaro. Enquanto dirigiam-se à cidade ocupada resolveu abrir o jogo com seu companheiro. Contou-lhe os motivos de sua suspeita e em retorno obteve as explicações de Laucian. Explicou que as diferenças se tratavam de costumes culturais e que nunca tivera a oportunidade de aprender a usar um arco. Quando questionado sobre as habilidades raciais, como a visão no escuro e a necessidade do sono, respondeu que toda sua família era assim e que conhecia muitos elfos deste jeito. Vallen continuou a suspeitar, mas achou que isso não era assim tão relevante quando comparado à enrascada que estavam se metendo.
Uma pesada nuvem obstruía a luz das estrelas. Sobrevoavam a cidade élfica protegidos pela escuridão. Podiam ver diversas fogueiras e orcs reunidos ao redor delas. Teria sido quase impossível encontrar Finarfim espreitando-se. Avistaram diversos orcs faziam a guarda de um dos castelos quando a voz de Myra, tão suave como quando na forma humana, vinha do bico aberto  da águia.
- Consigo ouvi-lo daqui. Segurem-se.
- O QUÊ? - Exasperou-se Vallen.
Não havia volta agora. A águia gigante iniciara um mergulho em direção a um grande vitral . Entraram quebrando a janela e chamando toda atenção para si. Aquela definitivamente não era uma entrada que ele escolheria fazer.
No grande salão do trono algumas figuras estranhas os observavam. Um homem trajava uma armadura de batalha azul que lhe recobria todo o corpo, grossas placas de metal sobrepunham-se dando quase o aspecto de escamas. Trazia uma enorme espada nas costas e tinha as feições grosseiras. Ao lado dele, um humano de cabelos, cavanhaque e olhos vermelhos tinha uma expressão insana, como se estivesse prestes a ter um surto de loucura homicida. Uma humana de cabelos presos em um coque trajava roupas justas feitas de couro negro e segurava um coração que ainda pingava sangue. Uma criatura metade homem metade hiena, um gnoll, como eram conhecidos, trazia um machado feito do dente de alguma criatura enorme e usava uma placa de ferro presa por cordas protegendo o peito. Os quatro estavam reunidos e do outro lado mais três pessoas. Uma elfa quase desmaiada estava junto do corpo de Galarin, que agora possuía um buraco onde costumava residir seu amor por Lyanna. Ao lado dos dois, Finarfim estava ajoelhado segurando uma adaga, parecia pronto a tirar sua própria vida.

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